A “ELITE” DO MOVIMENTO NEGRO ESTÁ A VENDA!
Uma das medidas, anunciadas no dia 25 de novembro,
foi a criação de um comitê “sobre diversidade e inclusão”, cujo objetivo se
inscreve na promoção de uma formação antirracista. Segundo a nota da
multinacional, “esse comitê foi formado a partir dos diálogos decorrentes da
tragédia de Porto Alegre”. A “tragédia”, mais ou menos como a Vale se referiu
às centenas de mortos de Mariana e Brumadinho, é uma mediação muito bem
pensada, pois nela reina o contingente. Se a pedra caiu em sua cabeça e lhe
matou, por óbvio que não foi por dolo. E a ideia é parecer uma pedra. A motivação do comitê, segundo a nota,
“é o dever moral de tentar impedir que mais pessoas negras morram”. Como
“tentar” impedir – contentemo-nos com a migalha da tentativa – a morte de
“pessoas negras” é um “dever moral”, conclui-se que o racismo deve ser uma
falha “moral”.
A nota foi escrita com o cuidado de não assumir
responsabilidades penais e civis. Trata o assassinato como tragédia e a morte
como um ato individual dos seguranças e da fiscal da empresa. A nota foi
escrita para desresponsabilizar a multinacional. Aliás, ela reflete a tentativa
da multinacional de se solidarizar com o ocorrido, como se ela pertencesse ao
luto. O fundo preto das notas e a fala dos diretores levam a esse
compartilhamento de enlutamento.
Esse comitê é formado por "personalidades" e
intelectuais negros. São eles: Rachel Maia, Adriana Barbosa, Celso Athayde,
Silvio Almeida, Anna Karla da Silva Pereira, Mariana Ferreira dos Santos,
Maurício Pestana, Renato Meirelles e Ricardo Sales. Cumpre dizer que um
comediante, Yuri Marçal, foi convidado para fazer uma campanha da multinacional
francesa e se recusou, respondendo o email com um “vai tomar no cu”.
Podemos dizer que o comediante está mais afinado com
a perspectiva hegemônica entre negros e negras e muitos brancos sobre o
assassinato do que as “personalidades” e intelectuais negros, que preferiram
aderir ao comitê, o qual tem os objetivos político e econômico de recuperar parte do valor
de mercado da empresa. Sim, os acionistas gostam dessas notícias! Costumam dar
um upgrade ao valor de mercado para riquinhos preocupados, e é o que
normalmente grandes multinacionais bilionárias fazem para mostrar a
consumidores e acionistas que as coisas “vão melhorar”. Lógico que o “melhorar” faz parte de uma campanha que mostra a não necessidade de se fazer
boicote ou queimar prateleiras e mercadorias. Daí o upgrade!
Vamos a uma estimativa do valor real, daquele
conseguido com as relações de compra e venda de mercadorias, portanto, sem
entrar no mérito da compra e venda de ações? Vamos lá: no dia 20 de novembro,
as vendas do Carrefour foram destinadas a “entidades” vinculadas ao combate ao
racismo. Segundo informativo da multinacional, foram contabilizados R$ 25
milhões, provavelmente de um dia ruim, pois foi o dia seguinte ao assassinato
de João Alberto. Façamos as contas! Um supermercado fecha no natal e no ano
novo. Em virtude das recentes reformas trabalhistas, não fecha mais. No máximo,
faz o famoso “horário especial”. Sobram 363 dias. Se o valor do dia ruim se
repetir todos os dias, chegaremos a fantástica cifra de R$ 9.075.000.000,00.
Vou escrever para ficar mais explícito: 9 bilhões de reais! É muito mais, mas
com base na informação da própria multinacional – o que excetua lucros sobre as vésperas de natal e ano novo, sábados e afins –, já temos uma cifra fantástica.
Cumpre constatar que a terceirização para empresas
de segurança, que são dirigidas por policiais vinculados direta ou
indiretamente a grupos paramilitares, é uma das medidas que garantem essa
contabilidade fantástica. Muitas vezes, e isso não é segredo para ninguém,
empresas de segurança nada mais são do que grupos paramilitares que se
legalizaram. É óbvio que o Carrefour sempre soube disso, e é justamente por
isso que ele e todas as multinacionais contratam os seus serviços. Não é apesar
disso!
Mas o que fazem essas personalidades?
O primeiro ato foi solicitar ao Carrefour que
fechasse no dia 26 de novembro até às 14 horas, sendo reabertas com um minuto
de silêncio. O que se pode dizer desse grande ato patronal, noticiado pelos
meios de comunicação como um ato de lamento, luto e benevolência? Para quem foi
importante esse ato? Para o Carrefour ou para os negros? Para o Carrefour ou
para a família de João Alberto? Para o Carrefour ou para o luto sobre a morte
de João Alberto? O ato é anti-luto, em todos os sentidos!
O comitê propôs à multinacional a transformação “do
modelo” da segurança, “internalizando as equipes das três lojas da cidade de
Porto Alegre”. Não se sabe exatamente o que significa “internalizando”, pois a
multinacional afirmou que essa empreitada contará com o “apoio da ICTS Brasil”,
uma empresa terceirizada especializada em segurança privada. O fato é que
dificilmente a multinacional francesa mudará um modelo de negócios em todo o
país com recomendações de um comitê. Mudaria ou mudará com a atuação de rua de
movimentos sociais. Na prática política, o comitê cumpre a função de se
sobrepor a atuação de rua dos movimentos sociais. Não era hora para essa
presepada pelega.
Ante a essa aderência, cumpre concluir o que muita
gente vem evitando concluir. A sua conclusão e explicitação é hoje inevitável: “personalidades”
e “lideranças” do movimento negro estão mais antenadas com os interesses
pessoais, como o estabelecimento de contratos com grandes empresas, do que com
as demandas dos trabalhadores negros. Em outras palavras, essas “personalidades” expressam
os interesses de uma semi-classe média negra, transformando-os em interesses
gerais sobre a totalidade dos negros, mais preocupados em comer e não morrer de
fome ou de bala.
Veja o caso de Maurício Pestana, um dos “colaboradores” do comitê. Ele escreveu um livro chamado Empresa Antirracista: como CEOs e altas lideranças estão agindo para incluir negros e negras nas grandes corporações. O livro basicamente arrolava, segundo o resumo da editora, depoimentos de CEOs de grandes empresas. Um dos CEOs era Noël Prioux, representante máximo do Carrefour Brasil, que, na visão do autor, já possuía características de uma “empresa antirracista”. O autor definiu o Carrefour como uma “empresa antirracista”. Ou seja, o autor tem a discricionariedade monopolistica de atestar quem é e quem não é racista. A editora suspendeu a publicação. Mas ainda pululam publicações sobre “empresas antirracistas”, quase todas bilionárias e multinacionais. Parece que o “antirracismo” se transformou em business.
É relevante constatar que essas “lideranças” e
“personalidades” têm certa fixação (fetiche?) por “transformar” grandes
multinacionais em antirracistas, quando o grosso dos empregos no Brasil, algo
em torno de 70% a 80%, estão nas médias e pequenas empresas. Poderíamos supor,
por boa-fé, que reina entre as “personalidades” a ideia-comum, baseada no
senso-comum, de que “transformando” grandes empresas, as restantes iriam juntas
pela lógica do rebanho. Mas, é mais provável que a fixação pelas grandes
empresas se dê por terem mais recursos para projetos e contratos, o novo meio
de vida dessas “personalidades”.
Particularmente, não tenho nada contra, desde que a
relação econômica seja explícita e, principalmente, que esse interesse pessoal
não se sobreponha aos interesses gerais dos trabalhadores negros e negras e dos
movimentos populares. Ou melhor, desde que os interesses pessoais e individuais
não sejam transformados nos interesses gerais dos trabalhadores negros e negras
porque tais “personalidades” têm cadeira cativa na mídia e acesso aos capitais
das grandes empresas.
Poderia falar um pouco da gênese desses grandes
empresários e empresas. O Itaú-Unibanco, por exemplo, tem todo o seu capital
inicial baseado em trabalho escravizado e venda e compra de africanos. Basta
pesquisar a origem das duas principais famílias: Moreira Sales e Setúbal. Hoje
elas financiam projetos antirracistas por meio de suas fundações, desde que não toquem
em seus negócios, todos baseados na superexploração dos trabalhadores negros. O
correto era estarmos exigindo que tais famílias pagassem indenização, e não
aceitar que “personalidades” fiquem fazendo projetinhos antirracistas com as
fundações dessas famílias, dando-lhes o selo de “descontruídos”.
Nesse momento, essas “personalidades”, ungidas a
“lideranças” pelo próprio capital, estão sendo utilizadas como mediadoras da
superexploração do negro pelos grandes capitais. Nesse processo, em que negros
nunca foram tão assassinados, o comitê negro do Carrefour cumpre a função de dar legitimidade para o assassinato ser transformado em “tragédia”. Essas “lideranças” e
“personalidades” estão aquém das necessidades dos trabalhadores negros e negras! Mesmo o
boicote, que é uma medida que não chega a interromper a circulação e realização
de mercadorias da empresa, portanto, uma medida politicamente bastante restrita,
passa a sofrer o boicote do comitê. Como os trabalhadores negros farão um boicote quando há um comitê de negros procurando corrigir o Carrefour
para a sua boa imagem de mercado? As “personalidades” e “lideranças” nos
boicotaram!
Quem assina?
ResponderExcluirLeonardo de Freitas Sacramento
ExcluirLeonardo de Freitas Sacramento
ExcluirFico animado ao ler algo assim, algo que me representa como cidadão negro.
ResponderExcluirBasta de boicote contra nos negros trabalhadores e pais .
Excelente reflexão.
ResponderExcluirFaria um reparo no título que, considero, tornaria o artigo, aí sim, mais adequado à realidade que trás à pertinente discussão. Sugiro o seguinte título para o artigo:
ResponderExcluir"Lideranças" midiaticas negras estão à venda?
Justifico:
Estas pessoas representam a personalidade de si próprias e não "O" movimento negro em seu todo, como o título, erroneamente, força o leitor desprevenido a pensar.
De resto, parabenizo.
Quem disse que essa elite negra ou suposta elite negra representa os interesses da população negra.
ExcluirNão faltou o perfil dos componentes da elite?
ResponderExcluirSempre é bom saber que não estamos sozinho e dai para frente quando mais aprofundar melhor.
ResponderExcluirCom todo respeito às pessoas...mas as lideranças que eu conheço do movimento negro aqui do Sul ..POA, Gravataí, Alvorada, Canoas, Montenegro ..e outros não estão neste grupo. Conheço todas aí, mas os líderes mesmo que pisam no meu chão não vi aí....
ResponderExcluirO Itaú fez isso, num outro episódio,.abrindo inclusive investimento em projetos culturais. É hediondo negros de classe média, que ascendem a custa da luta contra o preconceito e carregando a marca de chicote.de um.ancestral seu.
ResponderExcluirTodo o meu repúdio aos vendilhões, da causa negra.
ResponderExcluirLuta se faz na rua
Luta é coletiva
Contra o racismo e contra o capital.
Através das ruas e radicalização es do movimento eles entenderão.
Como o boicote
Atacar suas lojas, como símbolo de atacar o capital
Dar-lhes prejuízo.
A luta é contra o racismo, conta o capitalismo.
A cada 23 minutos jovens negres têm suas vidas ceifadas. A maioria pelo braço do Estado.
Ninguém quis comissão não tem grana.
Meu repúdio.
Obrigado por esse manifesto.
Assinando minha posição do texto acima, Sandra bello
ResponderExcluirAchei muito interessante o artigo, com certeza vou enviar para muitos. Gostaria muito de ouvir o senador Paim que é do Rio Grande do Sul, eu acredito que tem uma galera bem jovem negra que vem questionando e tendo posições muito séria. Vamos Juntos/as. Suzete Lima Kourliandsky
ResponderExcluirFaltou relacionar ao papel negativo dessas "Lideranças negras", com o papel cumprido pela esquerda branca que, na possibilidade, (concretizada depois) de radicalização dos manifestantes em frente ao Carrefour fizeram uma corrente de proteção a integridade da propriedade, sem êxito, passaram a dizer que a radicalização da "massa preta", diante de uma prática cotidiana no processo de genocídio do povo preto no Brasil que, era uma ação de infiltrados da extrema direita pra atrapalhar o segundo turno das eleições, no Rio Grande do Sul e em São Paulo.
ResponderExcluirEssas "lideranças negras", ascendidas a condição de classe média, ao tomar partido das multinacionais, ainda que não fosse sua intenção, abrem duas frentes de batalha que se opõe a ela, a primeira consiste na parte preta da classe trabalhadora esmagada pelo racismo estrutural e que não consegue aliança consequente na luta de superação do Racismo Antipreto, com a parte branca da classe. A segunda com a esquerda branca de classe média, setor hegemônico na esquerda brasileira. A esquerda branca se considera e age como se detivesse a verdade absoluta sobre como os pretos podem e devem lutar, assim como tem as respostas político partidárias e sindicais.
Essa "elite preta" em ascensão, se atreve a disputar com ela a direção da "massa negra".
Essa relação é muito importante pra reflexão sobre que tipo de movimento preto precisa ser construído, bem como a reflexão sobre o papel que a esquerda branca tem cumprido e no que ele ajuda, (ou atrapalha) o desenvolvimento da consciência de classe.
Excelente reflexão, parabéns!!!
ExcluirPerfeito, sem mais paraxos ignorante!
ExcluirEssa pessoas não são elite do Movimento Negro, são negros de olho em oportunidade para se tornar mais famosos! Nunca me representaram e não me representam!
ResponderExcluirO texto está muito bem escrito, colocando-se para o leitor de maneira ácida, profunda e direta. Usa de afirmações como também desfila uma dosagem interessante de ironias bem construídas. Para a gente pensar. Pergunto ao autor: a proposta do Comitê foi feita pelo Carrefour? Um belo texto!!
ResponderExcluirNão vi nenhum prejuízo á população negra com a criação deste Comitê.
ResponderExcluirVi muitas críticas , desconheconhecimento e nenhuma proposta efetiva, daqueles q são contra o Comitê,senhores da verdade e "protagonistas"da causa negra.
A saída é "fogo nos racistas" ou construir pontes q possam trazer a valorização das vidas negras?
Cansei deste tipo de agressão aos negros e negras, qdo o inimigo é outro.
Novamente caímos na velha tática colonizadora: Dividir para dominar.
E parece q está dando certo.
O texto e articular de ideias e informações me parece tão bom quanto a capacidade de ferir ainda mais os esforços de LUTA CONTRA O RACISMO, capitaneado por um MN plural.
ResponderExcluirEsse é o único efeito imediato do texto - indispor mais gente negra, com mais gente negra.
Marcações, por mais bem fundadas que sejam, não ajudam na construção de espaços coletivos de diálogos, capazes de gerar pensamentos, estratégias e ações politicamente mais potentes no enfrentamento do RACISMO estrutural.
Aguardo o mesmo esforço do Leonardo, na elaboração de um texto chamativo à UNIDADE NA DIVERSIDADE do MN.
Nessa "bolha" de gente instruída, que "se sente-se acha", nada se resolve.
Transformação e política mesmo, só quando as grandes maiorias negras e pobres entrarem nessas Lutas COM TUDO: seus jeitos, linguagens, seus próprios referenciais, seus corpos... Aí sim a intelectualidade negra vai ter a oportunidade de aprender e ensinar novas histórias.
Quem nomeou estás pessoas , ou estão em causa própria, líderes de quem?
ResponderExcluirMuito bom texto, obg!
ResponderExcluirEstou cansada de lutar contra o racismo neste país....e ainda contra os ditos irmãos?
ResponderExcluirSensacional. Precisamos de uma discussão urgente sobre a população negra e os movimentos sociais e lideranças que se dizem representantes dessa população.
ResponderExcluirUm dos textos mais ressentidos e menos críticos que li ultimamente. Fala de um lugar que não propõe nenhuma contribuição efetiva para o movimento, apenas crítica vazia e raivosa. Faz parecer que há um sentimento de “eu deveria estar ali, e não eles” muito evidente. Energia que poderia ser aplicada em práticas que se revertessem ao coletivo e não ao ego.
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