O analfabetismo do negro: o projeto das elites

Analfabetismo entre negros no Brasil é duas vezes maior do que entre brancos, diz IBGE

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) publicou no dia 15 de julho e 2020 a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) sobre alfabetização. A pesquisa concluiu que há 11 milhões de analfabetos no Brasil, 6,6% da população acima de 15 anos. O IBGE atesta que para a erradicação, conforme o estabelecido pelo Plano Nacional de Educação (PNE), há a necessidade de enfrentar algumas desigualdades regionais e raciais.

            Os resultados levantam algumas reflexões. É sempre importante relacionar tais conclusões com dados do passado para analisar se há ou não evolução. Dos dados absolutos, a evolução é translúcida e inquestionável. Sobre os dados da desigualdade social e racial, não. Pode-se atestar um continuum inquestionável.

            Uma das primeiras pesquisas que relacionava raça e desigualdade foi em um inquérito municipal em São Carlos (SP), em 1907. Trabalho esses dados em um curso de extensão que ministro pelo Instituto Federal de São Paulo retirados da obra de Karl Monsma, A reprodução do racismo: fazendeiros, negros e imigrantes no Oeste Paulista (1880-1914). Quando li a pesquisa do IBGE, não pude deixar de relacioná-las. Segundo dados compilados pelo Monsma, enquanto que 45% dos estrangeiros homens eram alfabetizados, apenas 14,7% dos pretos eram alfabetizados. Os brasileiros brancos representavam 61,7%. Portanto, havia 85,3% pretos, 55% de imigrantes europeus e 38,3% de brasileiros brancos analfabetos na cidade.

Vamos formular rapidamente uma razão para mensurar a desigualdade. Ela será a relação entre a taxa de analfabetos pretos (1907) e negros (2020) pela taxa de analfabetos brancos. A razão entre pretos analfabetos e imigrantes europeus era de 1,55; e a de pretos e brasileiros brancos é de 2,22. A razão entre imigrantes deve ser ignorada, assim com a de mulatos, pois isso exigiria um conjunto de mediações sobre os significados conceituais tanto de um quanto de outro, como a transformação social do imigrante europeu em brasileiro brancos, o trato do conceito de mulatismo e o desmembramento entre pardos e pretos na pesquisa do IBGE (são trabalhados no curso). Mas adianta-se que, quando se separa pardo de preto no conceito de negro do IBGE, a desigualdade tende a aumentar consideravelmente.

            Segundo a PNAD, há 27,1% de negros (pretos e pardos) analfabetos e 9,5% de brancos acima de 60 anos, portanto, que estavam sendo alfabetizados por volta do fim da década de 1960 e início de 1970, na Ditadura Civil-Militar. A razão entre os dois é de 2,85, maior do que a taxa de 1904. A taxa total de analfabetos entre brancos é de 3,6% e entre negros (pretos e pardos) é de 8,9%. A razão é de 2,47, o que demonstra que a entrada de pessoas entre 15 e 60 influi pouco para reduzir a desigualdade entre os analfabetos acima de 60 anos (apenas 0,38). A influência quase nula demonstra que entre 1970 a 2020, cinquenta anos, a desigualdade social e racial na alfabetização se mostrou persistente. A universalização da educação básica influenciou pouco na redução da desigualdade, registrada na proporcionalidade.

            Por fim, a razão atual é levemente pior do que a taxa de 1907. Esses 113 anos correspondem a cinco ou seis gerações. Portanto, pode-se inferir, ao menos na alfabetização, que a desigualdade entre brancos e negros aumentou ao longo do século XX, ou se preferirem para aliviar alguma culpa, se houver, ficou estagnada com alguma tendencia de aumento. 

 

Obs: esses dados não podem ser plenamente generalizados em virtude de a PNAD expressar grande desigualdade regional, o que, por óbvio, não é uma variável da pesquisa municipal de 1907. Portanto, quando analisados regionalmente, é possível que os dados piorem.

  

 

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